Lavagem de dinheiro, prescrição e crime permanente
A Primeira Turma iniciou julgamento de ação penal em que se imputa a prática do delito de lavagem de dinheiro a parlamentar.
Na denúncia, considerando o que pende de exame pelo Supremo Tribunal Federal, os fatos delituosos foram organizados em cinco grupos fático-delitivos.
O primeiro refere-se à ocorrência de ocultação e dissimulação da origem, natureza e propriedade de recursos ilícitos entre 1993 e 2002, em contas-correntes localizadas na Suíça. O segundo também diz respeito à ocultação e dissimulação da origem, natureza e propriedade de recursos ilícitos, porém no período de 1997 a 2001, em contas na Inglaterra.
O terceiro fato delituoso reporta-se à conduta do acusado, na qualidade de diretor de empresa registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, de orientar e comandar a conversão de ativos ilícitos em ADRs (“American Depositary Receipts”) de outra pessoa jurídica, com o fim de dissimular a sua utilização.
O quarto fato delituoso relaciona-se à ocorrência de imputações de ocultação e dissimulação da origem de recursos ilícitos, bem como da movimentação e transferência desses valores, a fim de ocultar e dissimular sua utilização, entre 1997 e 2006, por meio de doze contas-correntes na Ilha de Jersey.
O quinto fato delituoso diz respeito à conduta do acusado, na qualidade de representante e beneficiário de pessoa jurídica registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, de converter ativos ilícitos em debêntures conversíveis em ações, com o fim de dissimular a sua utilização, no período de 29.7.1997 e 30.7.1998.
Preliminarmente, a defesa requereu o desentranhamento do "Parecer Técnico" que acompanhava a denúncia e a conversão do feito em diligência para realização de perícia oficial pelo Instituto Nacional de Criminalística, sob a alegação de que referido parecer técnico não se presta como prova válida, a substituir o exame de corpo de delito a que se refere o art. 159 (1) do Código de Processo Penal, o qual deve ser elaborado por perito oficial.
O Colegiado, por maioria, rejeitou a preliminar arguida.
Ressaltou que o referido parecer, embora se autoqualifique “técnico”, não ostenta a característica de prova pericial. Trata-se apenas de descrição e compilação dos documentos acostados nos outros 140 volumes apensos aos autos principais. A materialidade delitiva está provada pelos documentos contidos nos autos, e não pela descrição e compilação no parecer. Salientou não haver qualquer opinião técnica especializada nele contida capaz de influir na compreensão sobre a existência, ou não, da atividade criminosa.
Vencido, nesse ponto, o ministro Marco Aurélio, que admitia a preliminar. Para ele, o laudo técnico elaborado por perito oficial é indispensável para a instrução do processo, por se tratar de um crime que deixa vestígios.
No mérito, o ministro Edson Fachin (relator) acolheu a manifestação da defesa quanto à ocorrência da prescrição no tocante ao primeiro, segundo, terceiro e quinto fatos delituosos constantes na denúncia. Salientou o fato de o acusado ter mais de setenta anos, o que faz incidir a regra do art. 115 (2) do Código Penal (CP), que manda computar os prazos prescricionais pela metade. Assim, haja vista que a pena máxima cominada aos delitos imputados é de dez anos de reclusão e que, em 29.9.2011, quando o Supremo Tribunal Federal recebeu parcialmente a denúncia, já haviam se passado mais de oito anos, a punibilidade desse conjunto de fatos está extinta, nos termos dos arts. 107, IV, e 109, II, do CP (3).
O relator entendeu não estar extinta a punibilidade pela prescrição quanto ao quarto fato imputado ao acusado e condenou-o pela prática das condutas descritas no art. 1°, V e § 1º, II, da Lei 9.613/1998 (4).
Pontuou que o crime de lavagem de bens, direitos ou valores praticado na modalidade de ocultação tem natureza de crime permanente. Afirmou que a característica básica dos delitos permanentes, portanto, está na circunstância de que a execução desses crimes não se dá em momento definido e específico. A execução dos crimes permanentes ocorre num alongar temporal. Quem oculta e mantém ocultada alguma coisa permanece ocultando-a até que a coisa se torne conhecida.
Destacou que o prazo prescricional referente ao quarto fato delitivo imputado tem sua contagem iniciada, nos termos do art. 111, III, do CP (5), no dia 11 de maio de 2006, data em que o órgão acusador tomou conhecimento de documentação enviada ao Brasil pelas autoridades de Jersey.
Ressaltou que, de qualquer forma, mesmo que se considerasse instantânea, de efeitos permanentes, a ação de ocultar os bens, direitos e valores, o crime narrado no quarto fato não estaria prescrito. Ainda que parte da doutrina entenda consumar-se o delito de lavagem apenas no momento em que ocorre o encobrimento dos valores, compreendendo a permanência do escamoteamento mera consequência do ato inicial, reconhece-se que, se houver novas movimentações financeiras por parte do agente, estas últimas são atos subsequentes de uma mesma lavagem que começou com o mascaramento inicial.
O ministro Fachin asseverou que as provas dos autos permitem perquirir o caminho percorrido desde a obtenção criminosa dos recursos financeiros. Além disso, possibilitam verificar como as empresas relacionadas nos autos foram utilizadas para a constituição de contas e fundos de investimento com a finalidade de ocultar e dissimular a procedência criminosa de valores e, ainda, com o fim de transformar os ativos ilícitos em aparentemente lícitos.
Nesse contexto, entendeu estar devidamente constatada a materialidade, bem como a autoria do réu, que, entre 1998 e 2006, de forma permanente, ocultou e dissimulou vultosos valores oriundos da perpetração do delito de corrupção passiva. Para isso, utilizou-se de diversas contas bancárias e fundos de investimentos situados na Ilha de Jersey, abertos em nome de empresas “offshores”, com o evidente objetivo de encobrir a verdadeira origem, natureza e propriedade dos referidos aportes financeiros. Configura-se, assim, a prática do crime de lavagem de dinheiro.
Apontou que a conduta do acusado foi dolosa, por visar à ocultação e dissimulação da origem criminosa dos valores que movimentou e manteve ocultos no exterior até, pelo menos, o ano de 2006.
Em seguida, o julgamento foi suspenso.
(1) Código de Processo Penal/1941: “Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. § 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. § 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo”.
(2) Código Penal/1940: “Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos”.
(3) Código Penal/1940: “Art. 107. Extingue-se a punibilidade: (...) IV – pela prescrição, decadência ou perempção; (...) Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (...) II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze”.
(4) Lei 9.613/1998: “Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (...) V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; (...) § 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: (...) II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere”.
(5) Código Penal/1940: “Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: (...) III – nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência”.
AP 863/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 9.5.2017. (AP-863)
Decisão publicada no Informativo 864 do STF - 2017
O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República. É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STF - Supremo Tribunal Federal. Lavagem de dinheiro, prescrição e crime permanente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2017, 16:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos Temáticos/50308/lavagem-de-dinheiro-prescrio-e-crime-permanente. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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